No ano de 2006 tive a sorte de ter como vizinho um grande artista e artesão em cerâmica, Wilson Anastácio. Fui iniciado na arte da queima das peças de cerâmica, depois de serem modeladas. Não tinha a menor idéia desse processo e achava que estava necessariamente associado a algum recurso tecnológico, ou que no mínimo se necessitava de um bom forno de tijolos.
Quando o Wilson me disse que o processo poderia acontecer em um simples buraco num barranco, fiquei extremamente curioso. Engajei no processo de modelagem das peças nada complexos pois se tratavam de contas no formato de bolinhas decoradas, discos, pássaros e peixes, feitas a mão e sem fôrma, todas furadas ao meio. Devo acrescentar que o contato das mão com a argila úmida é algo indescritível, uma sensação mágica e ancestral. A argila já vinha pronta, comprada em blocos de dois quilos. Logo meu filho e sobrinhas puseram também as mãos no barro (talvez tendo as mesmas sensações) e em poucos dias tivemos uma grande quantidade de contas. Deixamos elas a secarem na sombra por alguns dias.
Os arteiros da argila: Katti, Gabriel, Kelly e Íris, em 2006 |
Então finalmente chegamos ao momento que me aguçara a curiosidade e demos início a "construção" do forno. Cavadeira, pá, enxada e um barranco em frente á nossa casa foi tudo o que eu e o Wilson precisamos. Sob sua orientação começamos a cavar na parede do barranco um buraco arredondado de cerca de 80cm de largura e 1,2 metro de profundidade.
Wilson Anastácio preparando o arranjo |
Neste ponto o Wilson me alertou como um momento crucial: -Se acendermos o fogo bruscamente o choque térmico fará com que as peças rachem e estourem. Então é preciso um período intermediário, neste caso de quase duas horas mantendo o fogo bem baixinho, dando tempo para as peças se aquecerem gradativamente, para só então começar a queima, propriamente dita. Desde o crepúsculo começamos a acrescentar madeira, cuidando sempre de manter as chamas o mais alta possível, uma atividade bem "escaldante" também para nós. De vez em quando ouvíamos um estouro vindo daquele buraco infernal.
o auge da queima |
Lá pelas duas horas da madrugada já havia se acabado toda a madeira que juntamos e então deixamos nosso evento em meio a um braseiro e fomos dormir. A curiosidade foi tanta que me lembro não ter conseguido pegar no sono direito. Quando o dia clareou fomos conferir o nosso feito. As peças e telhas estavam mergulhadas em meio a muita cinza e ainda bastante quentes.
Aguardamos mais algumas hora até que se resfriassem e recolhemos todas peças com cuidado, separando-as novamente conforme cada tipo. Curioso observar os pedaços das peças que explodiram, felizmente uma minoria. Algumas estavam escuras e acinzentadas e outras conservavam o avermelhado vivo da argila.
Bem, de posse dessa grande quantidade de peças em cerâmica passamos então a compor com elas, cortinas ornamentais e arranjos decorativos, outra etapa bem interessante mas que não cabe aqui. A experiência foi mesmo inesquecível pois algo de primitivo e ancestral foi invocado naquela atividade em torno do barro e do fogo, mais interessante até, do que se tivéssemos feito em um forno convencional, ou tivéssemos feito as peças usando moldes, sem que nossas mãos tangessem a mágica textura daquele barro primordial...
cortina ornamental |
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