16 de maio de 2016

Olho-de-boi ou feijão-do-mar Elas navegam pelos mares


Já faz tempo que quero escrever uma página sobre esta semente fantástica, sempre protelando um pouco mais, esperando dispor de suficiente material informativo e experimental, a respeito desta criatura fascinante. Não é só por seu tamanho tão grande, exótico e diferente de outras sementes, nem porque é usada em vários continentes como um amuleto de proteção pessoal e para algumas simpatias e nem tampouco pela grande quantidade de antioxidantes que possui... E aquela brincadeira de criança?  Alguém esfrega uma semente do olho-de-boi no chão de cimento até ela esquentar muito e encosta na pele de um amigo, de surpresa!  Ái que susto, ái que dor...  enquanto os outros se acabavam de rir...
Contudo o que me deixou assombrado com essa criatura foi outra capacidade particular, uma sábia manobra evolutiva, uma eficaz estratégia para propagar sua espécie ao redor do planeta e outra demonstração soberba da consciência e inteligência dos vegetais.





Esta planta aprendeu a usar o movimento das águas para se transportar e não é á toa que em ingles, um de seus conhecidos nomes é sea bean (feijão do mar). Suas sementes podem passar até 5 anos flutuando por leitos de rios, praias, vagando por correntes oceânicas e indo de um continente á outro quase isenta de perigos. Possue algumas toxinas que a torna indesejável para a maioria dos predadores, mas se for engolida inteira por um animal aquático, a resistente casca que a reveste vai protege-la dos ácidos digestivos e passará intacta pela digestão do bicho. Ao ser evacuada voltará a flutuar e navegar tranquilamente ao sabor das correntezas até se engancharem em algum solo novo, uma beira de praia ou de rio, situados muitas vezes a dezenas de milhares de km. de onde ela nasceu, para só então rebrotarem. Parece inteligência demais para um simples vegetal?
Daí que meu agradecimento ao ôlho-de-boi é grande, pois devo a ele esse novo conhecimento: só quando fui pesquisá-lo é que descobri que uma série de plantas classificadas em diferentes classes, ordens e famílias também faz amplo uso das correntezas para viajar e se propagar pelo mundo. Existe uma comunidade internacional para estudar, divulgar e utilizar as sementes que viajam pelo mar, formada por cientistas, fotógrafos, artesãos entre outros. No dia 14 de maio é comemorado o "dia da consciência da sea bean". 

Navegação marítima de algumas sementes

Fui apresentado (pessoalmente) ao ôlho-de-boi da espécie Mucuna urens por um grande amigo, o mais que artista Walber Barbosa (alquimista e postulante de mago). Acompanhei-o em diversas excurções por matas e ribeirões nos arredores de Resende, recolhendo material para fabricação de arte e artesanato. Recolhíamos palhas, bambús, sementes e raízes de árvores mortas. Em certa ocasião subimos por um trecho de mata, por dentro do ribeirão-do-sertãozinho. Era mes de julho, inverno e estávamos no final do período de estiagem, o ribeirão estava baixinho e ficou bem fácil se deslocar  pela agua e pelas pedras. Caminhávamos a mais de uma hora  pisando cuidadosamente pelo leito de areia e pedras quando de repente o Walber parou, me chamou  e apontou o dedo para cima de nós. Levantei os olhos e logo vi um cacho de aparência bastante extranha mas ao mesmo tempo um tanto atraente. Pendia por um longo fio desde as árvores mais altas  e pairando a cerca de 2 metros de nossas cabeças.

Então saímos da água e subimos pelas pedras da margem e só depois de subir numa grande pedra foi que tive uma visão mais detalhada daquelas estranhas favas. Muitas estavam abertas, expondo várias sementes com cerca de 3 cm. cada uma delas e pareciam prestes a despencar para dentro do ribeirão. Algumas estavam completamente vazias, se desfazendo, tremulando e pairando ao menor vento, dependuradas por aqueles longos fios pingentes.



Passamos então a coletar algumas sementes. O Walber puxou um cacho pelo fio pendente e colocando-o no chão pegou diretamente na semente, sacando-a com vizível cuidado, evitando tocar na casca da vagem: -Tem que tomar cuidado com a casca, esses pelinhos são como pequenos  espinhos e doem bastante. Pouco depois meus dedos também comprovavam a desagradável experiência, quando fui retirar sementes pra mim. Os pelinhos são duros mas se destacam facilmente. Tem cerca de 3 ou 4mm e penetram na pele com facilidade, causando irritação e pequena dor, mas que pode durar mais de um dia.
Em outras excurções, inclusive em outro ribeirão, fomos a mais 2 pés dessa mesma espécie (No Brasil ocorrem 7 espécies da Mucuna Urens, sendo duas endêmicas) e recolhemos uma boa quantidade de sementes em todos eles. Olhando pra aqueles enormes pés emaranhados pelas árvores e pairando por cima do riacho me ocorreu pensar de que maneira, essas sementes que se movimentam usando a correnteza, vieram parar numa beira de riacho tão longe, a 400m de altitude e a centenas de quilômetros do mar? Talvez trazida por humanos ou então nos intestinos de algum grande peixe ou de alguma ave?  Mistérios... o fato é que essa planta (como todas elas, he,he) usa elementos do meio e muitos dos animais disponíveis, para expandir a presença de sua espécie. Do ponto de vista da planta, irônicamente os animais e inclusive os seres humanos é que são os meios...

Minha primeira coleta de ôlho-de-boi (Mucuna urens)


Depois de navegar até um local que lhe propicie as condições mínimas, a semente logo germina, tratando de esticar suas longas ramas por cima do curso dágua, apoiando e se enrolando em árvores da mata ciliar, subindo assim até 10 metros de altura, ou mais. Desse modo ela garante o futuro transporte para as sua próprias sementes. Por aqui, região Sudeste, ela florescerá por volta de janeiro e já estará soltando suas sementes na água a partir de junho, durante a estiagem. Observei que muitas sementes ficam presas nas margens e espalhadas pelo mato. Mas isso se resolverá a partir de novembro, com a chegada das chuvas e o aumento do volume do riacho, arrastando com suas águas a maioria delas. A longa jornada até o oceano só será atingida por algumas e muitas vão terminar no percurso do rio ou na areia de praias mais próximas, o que não é ruim, pois qualquer um desses locais pode conter as condições para que germine. Mas as que tiverem a sorte de alcançar alguma corrente oceânica serão as previlegiadas, poderão navegar até o outro lado do mundo, exportando para muito mais longe o seu precioso gen.

Germinação


Aqui no sudeste florescem entre janeiro e fevereiro...

...e solta as sementes entre junho/agosto.

O início de uma longa jornada!
O olho-de-boi é conhecido internacionalmente como sea-bean, o feijão do mar. No Brasil é chamado também de mucunã, coronha, dinheiro-de-indio, queima-queima, fava-coceira, pó-de-mico e outros. É bom esclarecer que as sementes a que chamamos de ôlho-de-boi pertencem em sua maioria a dois gêneros botânicos. O gênero Mucuna possui em torno de 100 espécies distribuídas nos trópicos e subtrópicos, ao redor do mundo e nos dois hemisférios. Já o gênero Dioclea conta com 50 espécies descritas, a maioria delas na América Central e do Sul, ocorrendo 29 espécies no Brasil, especialmente na Amazônia, sendo 2 espécies endêmicas. 


Mucuna urens. O termo "mucunã" é tupi-guarani e se refere ao grande tamanho do çipó


Nesta postagem trato especificamente do gênero Mucuna. Porém outro dia minha sobrinha Íris chegou da escola trazendo-me uma semente de ôlho-de-boi Dioclea, que ela encontrou no chão, perto de uma matinha no caminho do colégio. Plantei a semente e já tenho uma muda em pleno desenvolvimento. Certamente quando ela começar a produzir vai merecer uma postagem.

A muda de Dioclea

Voltando a Mucuna, outra curiosidade: o famoso e temido pó-de-mico usado pelos foliões nos carnavais do século passado, tem origem na fava desta planta e de suas primas próximas. Raspavam os pelos urticantes da fava seca e juntavam o pózinho para lançá-los sobre suas vítimas, que se danavam numa coçeira sem fim.  Uma enzima chamada mucunaína presente em todo o fruto é a responsável pela terrível reação de coceira e até de dor. Obviamente faz parte da estratégia de defesa da planta contra seus predadores.

Os terríveis pelos urticantes
Mas esta semente faz seu sucesso entre a humanidade de algumas outras maneiras, através de sua beleza e aos poderes místicos que lhe são atribuídos. É  utilizado por povos primitivos desde tempos imemoriais e também por populações rurais de várias partes do mundo, como um efetivo amuleto de proteção! As mais diferentes culturas atribuem a objetos que se assemelham ou representam o olho (olho-de-hórus, olho-de-tigre, olho-de-buda, olho-de-cabra, etc.) grandes poderes de guarda e proteção, para que possam ver e proteger-nos dos perigos que não enxergamos. No Brasil uma tradição do uso do olho-de-boi como protetor  pessoal chegou com os portugueses, que carregam num saquinho de pano preto (patuá) juntamente com arruda, alecrim e sal marinho, ou ainda como um pingente de colar, costume cultivado por povos africanos e ameríndeos. Numa outra maneira é utilizado na proteção de casas e residências, sendo colocado num copo, jarro ou garrafa com agua cristalina, atrás da porta, em cantos estratégicos ou em oratórios. Quando acontece da semente se romper e deixar a agua do copo turva, então sabe-se que aquela residência (ou seus moradores) foram alvo de inveja, cobiça ou demanda mais sinistra.  Então a semente se rompe no ato da proteção. Também é usado na carteira com o intuito de se atrair uma grande fortuna...

Na medicina popular ela é utilizada na forma do pó obtido a partir da semente torrada. Ministrado sempre em pequenas quantidades, atua como calmante nervoso e também como tônico. No semi-árido nordestino é usado no tratamento de cálculos renais e doenças da próstata  e na região amazônica seu uso dominante é no tratamento das sequelas do derrame e na sua prevençaõ,  no tratamento da epilepsia, asma e gripe. O pó é usado ainda como parasiticida e formicida ou aplicado diretamente sobre a pele, atuando contra picada de insetos e bichos venenosos. Pesquisadores constataram que a maioria das sementes do gênero Mucuna (especialmente a Mucuna prurens) possui grandes quantidades do aminoácido L-dopa, uma substância amarga e potencialmente tóxica. Essa substância faz parte do sistema de defesa das plantas contra seus predadores mas, descobriu-se que a L-dopa é utilizada pelo cérebro na elaboração da dopamina, substância neurotransmissora. Desde então essas sementes são estudadas e utilizadas no tratamento do mal de Parkinson. Pesquisas recentes descobriram e isolaram boa quantidade de substâncias antioxidantes nas sementes, ou seja, ela ainda combate os radicais livres, previnindo assim um grande número de doenças e ajudando a retardar o envelhecimento das células. 





http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0304-28472009000100012
http://docplayer.com.br/7065076-1-1-levantamento-botanico-dioclea-violacea-mart-ex-benth-pertence-a-divisao-angiospermae-anthophyta-maior-divisao-do-reino-vegetal-que.html
http://www.seabean.com
http://waynesword.palomar.edu/mucuna.htm
http://rubens-plantasdobrasil.blogspot.com.br/
http://livrodabruxa.blogspot.com.br/2012/12/olho-de-boi.html
http://www.seedsplants.kimeracorporation.com/articles/drift-seeds-semi-galleggianti-semillas-de-deriva.html




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